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sábado, 16 de julho de 2011

A CURA DA LOUCURA: ARTHUR BISPO DO ROSÁRIO, O ARTISTA DO FIO.

"Não faço isto para os homens, mas para Deus"

Um inconsciente a céu aberto: “eu faço por que sou obrigado [pelas vozes], se não fosse obrigado não fazia nada disso não”.

Miniaturas que permitem a minha transformação, isso tudo é material existente na terra dos homens. Minha missão é essa, conseguir isso que eu tenho, para no dia próximo eu representar a existência da Terra. É o significado da minha vida.


Pude visitar na Caixa Cultural uma pequena obra do artista sergipano (1909 - 1989), que construi obras por 50 anos de vida. Onde a maior parte do tempo estava internado numa instituição psiquiátrica do Rio de Janeiro, pois era esquizofrenico - paranóico.

Descentende de escravos africanos, prestou serviços a marinha dos 15 aos 23 anos, era o sinaleiro-chefe (rsrs, que interessante essas palavras) e lutava boxe. Tornou-se empregado de uma tradicional, rica família de Botafogo no Rio de Janeiro, mas não aceitava receber dinheiro, pois era uma forma de retribuir o que seu chefe, antes só advogado fez por ele numa causa trabalhista. Tinha moradia e comida e em troca fazia serviços domésticos.
Até que aos 29 anos despertou com alucinações e daí não parou mais. O delírio, como nos afirma Freud, é uma tentativa de CURA DIANTE DA PSICOSE. Já outro psicanalista Lacan (1988), explica que a psicose é uma forma de estruturação do sujeito na qual sua relação com o Outro não encontra uma mediação que possa barrar a intromissão deste Outro. Assim, o sujeito se sente invadido por vozes, visões e ações que vêem de fora, de outro lugar. Para dar conta disso, oosujeito cria versões que possam explicar para si próprio o que ele está vivenciando, ou seja, cria outra realidade para dar conta daquilo que o invade e que não tem para eleo menor sentido. Bispo dizia que Deus queria que ele reconstruisse o mundo. Ele era o próprio "Jesus". 
Até que foi detido e fichado pela polícia como negro indigente e sem documentos internado no hospicio do Pedro II, primeira instuição oficial com objetivo de receber doentes mentais, alcólicos etc.) de lá foi transferido com apenas 1 mês para a intituição Jiuliano Moreira. Época mais obscura da psiquiatria.
Considerado agressivo, foi colocado na solitária com apenas um fino colchão e um buraco com fezes e alguns insetos devido a falta de higiene. Estava num pavilhão para doentes perigosos (melhor era mesmo ser louco num lugar desses, a cura o traria para uma realidade desumana naquele local) . Depois se tornou "chefe" do pavilhão com sua brutalidade e socos, o que muitas vezes o protegia de eletrochoques e medicação. Passou ali maior parte de sua vida. Continha pacientes mais rebeldes e passou a se acalmar também. Ganhando a confiança dos funcionários, pedia a um enfermeiro para trancafia-ló numa cela e lá passava meses, muitas vezes negava comida: "vou secar para virar santo". E nesse isolamento surge sua cura, opa, arte! Rs. Dizia que sua obra era para Deus, pois Deus o incubiu que ele registrasse a paisagem aqui na terra.
Cada objeto prontos ou construídos de sua obra foram recorbertos por fios azuis. Fios azuis? Fios dos uniformes da colônia Jiuliano Moreira, ele DESFIAVA FIO A FIO DAS ROUPAS E COBRIA SEUS OBJETOS e suas sucatas, oriundo do lixo do local, que funcionários o faziam ter acesso. Ele bordava pano e velhos lençois do hospital, construindo manto e estandartes. Fazia assemblages. “O louco é um homem vivo guiado por um morto.”


“Os doentes mentais são como beija-flores: nunca pousam, ficam a dois metros do chão”. Arthur Bispo do Rosário.

Se recusava a tratamentos médicos, afirmando que este era seu melhor tratamento.
O que o diretor do museu, Luiz Carlos Mello, interpreta como: "ao desfiar o uniforme despersonalizante, que é o símbolo máximo de uma instituição psiquiátrica , ele cria a sua individuação".


Objetos músicais, arquetetônicos e do uso do cotidiano são suas produções. Uma desconstrução institucional para uma construção de um novo significado. Sem contar o que se vê, o que não se vê e o que não se vê (diante de sua obra fiquei pensando nisto, é a base). Algumas denuncias?

Morre de enfarte.