Eros e Psiquê
Conta a lenda que dormia
Uma princesa encantada
A quem só despertaria
Um Infante, que viria
De além do muro da estrada
Ele tinha que, tentado,
Vencer o mal e o bem
,
Antes que, já libertado,
Antes que, já libertado,
Deixasse o caminho errado
Por o que à Princesa vem.
A Princesa Adormecida,
Se espera, dormindo espera.
Sonha em morte a sua vida,
E orna-lhe a fronte esquecida,
Verde, uma grinalda de hera.
Longe o Infante, esforçado,
Sem saber que intuito tem,
Rompe o caminho fadado.
Ele dela é ignorado.
Ela para ele é ninguém.
Mas cada um cumpre o Destino.
Ela dormindo encantada,
Ele buscando-a sem tino
Pelo processo divino
Que faz existir a estrada
.
E, se bem que seja obscuro
E, se bem que seja obscuro
Tudo que pela estrada fora,
E falso, ele vem seguro,
E vencendo estrada e muro,
Chega onde em sono ela mora.
E, inda tonto do que houvera,
A cabeça, em maresia,
Ergue a mão, e encontra hera,
E vê que ele mesmo era
A Princesa que dormia.
(Fernando Pessoa, 1983, p. 115-116)
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